Preparing for power: America’s Elite Boarding Schools.
Peter W. Cookson, Jr e Caroline Hodges Persell. New York: Basic Books, 1985.

Por Diana Mandelert

        O livro de Cookson e Persell desenvolve uma análise detalhada do complexo caminho através do qual os internatos de elite americanos colaboram na transmissão do poder e privilégio das famílias de elite. Para realizar o trabalho foram feitas centenas de horas em entrevistas e conversas com os diretores, professores, alunos e ex-alunos, e aplicados mais de mil questionários de alunos e centenas de questionários de professores. Mais de 60 internatos nos EUA e na Inglaterra foram visitados pelos pesquisadores e observadas aulas, assembléias, missas, competições, toda a sorte de eventos que ocorrem nas escolas preparatórias, como são chamados os internatos de elite.

        Foram identificados nove tipos de escolas prep schools: as academias, as episcopais, as empreendedoras, as só para meninas, as católicas, as do oeste, as progressivas, as militares e as quackers.

        A maioria dos internatos surgiu na segunda metade do século XIX. A maior parte dos mais famosos internatos começou com os moralistas advindos das tradicionais famílias de New England que desejavam preservar suas virtudes e valores em uma sociedade cada vez mais heterogênea e urbana. A preocupação dos fundadores era proteger a inocência da infância até que a moral e o caráter estivessem consolidados, em lugares reservados no campo, nos moldes dos internatos ingleses. Desta forma, a presença de alunos católicos, negros e judeus não era permitida nestas escolas. Atualmente existe uma maior diversidade, com muitos asiáticos, por exemplo, mas que não chega a representar a distribuição da sociedade americana.

        O número de alunos que estudam nos internatos de elite nos EUA é menor do que 1% do total. Eles são selecionados entre os filhos das classes privilegiadas. O processo de admissão é comparado pelos autores com um minueto do século XVII, altamente elitizado e um pouco barroco. Isso faz com que o processo de admissão não se circunscreva a escolha de alunos, mas à formação de um corpo discente composto por uma mistura precisa de famílias tradicionais e novos-ricos. Essas escolas têm uma missão muito importante a realizar e, a escolha de um aluno “errado” pode ser altamente prejudicial.

        Os autores afirmam, que pensar em poder e no exercício do controle social mas do que a pensar em uma pessoa ou grupo impondo-se sobre uma pessoa ou grupo, implica pensar em exercitar o controle social sobre si mesmos e sobre os filhos. O livro mostra como os pais de classes altas estão dispostos em sacrificar a vida pessoal dos seus filhos, para o proveito da classe, pois fazer parte de um internato pode ser uma experiência extremamente dolorosa para alguns alunos.

        A ênfase do currículo destas escolas é nos esportes e na preparação do SAT (Scholastic Aptitude Test), por ser este teste fundamental para o processo de admissão nos colleges americanos. O exercício da autoridade é considerado muito importante assim, desde cedo, são propostas várias atividades onde é possível exercitar esta habilidade. Parte do aprendizado social dos alunos é obtida pela exposição sistemática a importantes personalidades públicas, de vários setores e não apenas do mundo empresarial.

        De acordo com os pesquisadores, a qualidade do ensino na maioria dos internatos é excepcionalmente boa. Do total, 70% dos alunos dessas escolas discordam da afirmação de que “muitas aulas são chatas”. No entanto, em uma pesquisa em escolas públicas apenas 25% dos alunos discordaram da afirmativa. As turmas são pequenas nesses internatos, têm 12 a 15 alunos, sendo que algumas são compostas de apenas 4 ou 5 alunos. Os professores têm expectativas elevadas em relação aos alunos. A maioria das escolas oferece cursos de oratória, e debates públicos ocorrem regularmente. Na média, o interno deve fazer uma hora de dever de casa, por dia, para cada matéria. Não é à toa que colapsos nervosos sejam mais comuns do que os diretores gostariam de admitir e o uso de álcool e drogas não seja incomum.

        Os professores dos internatos têm pouca segurança: não têm sindicatos e na maioria dos casos, não têm estabilidade. De acordo com os professores trata-se de um estilo de vida, como uma vocação religiosa, através da qual o serviço é que dá sentido à vida. Os profissionais dessas escolas descrevem a si mesmos como mentores da próxima geração da elite do poder. Os valores clássicos do dever, da honra e da fidelidade são centrais no ethos das escolas. A maior parte dos treinos físicos, psíquicos e intelectuais dessas escolas é direcionado para a formação de uma classe de líderes que têm como característica suportar o peso da liderança e o talento e a coragem para proteger sua própria classe. Um componente chave do rito de passagem desses alunos é a aquisição da autoridade moral para exercer o poder, sem remorso.

        As escolas têm no topo de sua hierarquia um conselho de curadores que, coletivamente, respondem legalmente pelas instituições, assim como assumem a responsabilidade pela sua gestão financeira. São eles que selecionam os diretores e, ocasionalmente, intervêm no equacionamento de problemas mais graves. Esses curadores selecionam seus membros entre os ex-alunos, pais de alunos, ou indivíduos que demonstram interesse genuíno pelo desenvolvimento dessas escolas. Normalmente são pessoas ricas, experientes e ativas. A riqueza é importante porque deles são esperados donativos para as escolas. além disso, um curador deve possuir visibilidade social, que pode ser conquistada pela participação na lista do Social Register1 , ou no Who’s Who. Conforme os autores assinalam, a discrição da maioria dos conselhos é um exemplo de como o poder pode ser exercido sem publicidade. A maioria dos alunos não percebe a sua presença ou a sua importância, pois, para muitos é o diretor que representa a principal autoridade das escolas.

        Para descrever como é exercida a autoridade dos diretores nessas escolas, os autores se referem ao modelo de autoridade de Weber: carisma, tradição e burocracia (aceitação de que as regras e as leis são racionais e imparciais). Estes profissionais são profundamente carismáticos, são eles que incorporam os valores das escolas e servem de exemplo para seus alunos.

        Outro profissional importante nestas escolas é o college advisors, sua função consiste em fazer com que o processo de seleção do aluno pelos colleges seja o mais eficaz e tranqüilo possível. É um trabalho personalizado que dura quatro anos, iniciando-se no 9º ano. Este profissional vai ajudar na escolha do currículo pelos alunos, na realização de testes preparatórios ao SAT, na apresentação dos colleges possíveis para cada candidato e seus pais, na preparação do formulário a ser preenchido para os colleges, com citações de professores, apresentando o aluno da melhor forma possível. Cada college advisor é responsável por 65 a 140 estudantes nas escolas preparatórias, muito diferente do que ocorre nas escolas públicas americanas quando este número é de 400 a 500 alunos. São profissionais que mantêm uma estreita rede de relações nos colleges, fazendo com que a aceitação desses alunos, nas melhores instituições, seja muito maior do que a média.

        Para falar especificamente do que é feito por essas escolas com seus alunos, os autores trazem a metáfora do termo cadinho (crucible) que é o vaso de material resistente ao fogo usado para fundir ou calcinar minérios e minerais (especialmente metais) ou para realizar certas operações químicas ou fisioquímicas que exigem altas temperaturas. Segundo os autores, as escolas têm a responsabilidade de misturar o “refratário material do individualismo em um sólido metal coletivo de elite”. Isolando o estudante do seu mundo e intervindo no seu desenvolvimento, eles se transformam em soldados de sua classe social. Elas não pretendem produzir pensadores divergentes. A convergência intelectual é um pré-requisito para a identidade coletiva.

        A análise das escolas preparatórias é feita na perspectiva de Goffman sobre as instituições totais: todas as atividades são conduzidas em um mesmo lugar sob a supervisão de uma só autoridade; o cotidiano é feito sempre na companhia de outros; a vida é precisamente programada e organizada por regras fixas; todas as atividades são designadas para realizar os objetivos da instituição.

        Podemos, portanto, verificar que o rito de passagem imposto pelas escolas preparatórias é muito mais difícil do que o das outras escolas. Os alunos têm que estudar muito mais, ficam longe de casa, lidam com as rígidas regras da escola, autoridades e a onipresença dos colegas 24 horas por dia. Alguns alunos alcançam os objetivos: suas mentes são treinadas, suas habilidades sociais são aguçadas, perdem as suas ilusões e são preparados para o poder. Outros ficam perdidos, alguns vão embora ou são expulsos e há até mesmo aqueles que tentam o suicídio.

        Isto porque o privilégio deve parecer ser conquistado. Esta é a única forma pela qual a desigualdade da sociedade tem justificativa: esses alunos fizeram por merecer. O pagamento por todos esses sacrifícios é o prestígio e o privilégio que eles alcançam.

        No entanto, ao contrário do que os fundadores do séc. XIX pensavam, a real lição dos internatos não é ensinada pelos diretores devotados ou professores esforçados. Os alunos aprendem sobre o poder e privilégio com os seus colegas de escola na extrema competição existente nessas instituições. Afinal, dizem os autores, “os alunos que não possuem estômago ou músculos para lutar e vencer não são soldados dignos de confiança na luta pelas posições sociais”.




1 Espécie de “Sociedade Brasileira” americano, no qual são listadas as pessoas de classe alta.